Enterrado Vivo

       É tardinha. Boquinha da noite, será? – Bem, para mim não interessa mais se é luz ou escuridão, porque há uma sensação intrínseca bem dentro de minh’alma, de que já estou enterrado vivo. Nada mais há a se discutir.

Pelo visto, ao longo do tempo, se fiz algo ou deixei de fazer, pouco importa agora. Sinto-me isolado nesta imensa solidão e já não sei mais o que a vida representa, se é que ainda assim poderá ser considerada, ou sequer se me sobra um restinho desta, na linha do tempo.

Tudo se foi. Parece que os sonhos da infância, adolescência, de rapazote, de homem maduro, tudo isto, assim num piscar de olhos, desapareceu como que por encanto, e não vislumbro absolutamente nada nesta vida. O que dá para sonhar quando a gente se sente que está enterrado vivo?

Tive tantos sonhos! – Queria fazer tanto, me transformar em tantas coisas importantes nesta vida, ser notabilizado no meu viver, no entretanto, tudo isso se esvaiu no decurso deste curto viver, e parte de meus sonhos definharam sem a minha permissão, fugiram de minhas mães em nuvens escurecidas levadas, jogadas ao vento, a se perderem no infindo espaço sideral.

Oh! Vida dura e cruel, que queres mais de mim, já em idade avançada, sem ter quase praticamente nada a oferecer, apenas, quem sabe, um último naco de saber, de experiência, que ninguém sequer está ligando para isso!

Por isso mesmo, indago intermitentemente, será que a vida e o viver, valeram a pena para mim? – Perdi um filho ainda na flor da idade! – Que dor imensa a estraçalhar e a jorrar rios de sangue em meu peito, que no deleite, só queria tanto vê-lo amar e viver!

Não sei também se tive o verdadeiro amor, ou mesmo se em algum momento fui amado de verdade. Não sei! – O abstracionismo do amor certamente muitas amarguras e desandares me trouxe nesta vida. Por isso mesmo da dor, da solidão, da sensação de que estou enterrado vivo com as dores do avançar do tempo, da idade, que apesar de o menino que vivu dentro de mim, ainda se fazer presente, mas a carcaça não mais é da beleza da mocidade, da beleza das rosas nos pomares, nada disto existe mais, a não ser penumbras de nebulosas escuridões fantasmagóricas, a me perseguir no meu penar das noites indormidas, que tenho enfrentado ao me deitar no meu sofá.

Sei que vou para àquele mesmo pontinho de onde vim, como bem o disse meu filho antes de partir. Não vou satisfeito não, mas o que me consola, é que nada vou sentir, sequer vou mais saber de dores, dos desprazeres e das poucas doçuras da vida, mesmo assim, só sei que inexoravelmente, parto para nunca mais voltar, porque é esta a roda viva da vida.

A bem da verdade, sinceridade tem sido a minha tônica, minha marca do azedume que é a vida, principalmente em determinada idade avançada da vida, será que se pode dizer que se vive de bonanças num paraíso? – Que paraíso? – Nem o de Eva e Adão existiu, quanto mais o de nós mesmos, pobres e reles seres humanos mortais! – Em circunstâncias tais, todos nós somos amontoados de entulhos enterrados vivos, esta é a mais pura realidade da vida!

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Manoel Modesto

Advogado, escritor, poeta e presidente da ABLA (Academia Buiquense de Letras e de Artes)

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