O Apego a Terra da Gente, Vale à Pena?

A gente nasce num determinado lugar, isso porque não se escolhe onde a se quer nascer. Por acaso se nasce geograficamente em qualquer parte do mundo. Basta que o seu DNA esteja numa determinada região do Planeta.

         Onde se nasce, vem o apego ao lugar em que o sujeito nasceu, fez seus vínculos familiares e de amizades. Necessariamente, nem sempre é nessa ordem, mas no geral é assim que acontece.

         Nasci nesta terra em 1952, quando Dr. José Cursino Galvão, foi eleito prefeito de Buíque. Longo tempo se passou ou talvez tempo algum, porque sempre revolvemos o passado e voltamos a este como se fôramos meras crianças a brincar nas cercanias da residência chinfrim de onde viemos a saber da nossa existência, dos primeiros contatos com as pessoas da cidadezinha insignificante, da descoberta das primeiras letras, da primeira professora Dona Aderita Cursino, que não media o nível de ensino da pedagogia da palmatória e ficar de joelhos em cima de caroços de milho ou de feijão, de frente para o quadro negro e com as costas para os demais alunos, enquanto a aula tinha continuidade e isso, era pura tortura para uma criança que ainda não sabia de absolutamente quase nada da vida.

         Foi num calvário dessa natureza que vim a ter os primeiros contatos com o mundo exterior e isso parece que fica replicando em nossa mente e disso nunca se esquece. Vai com a gente para o túmulo, derradeiro travesseiro do dormitar do sono eterno.

         Sei que mesmo assim, a gente aprende a ter devoção, a amar, a ter orgulho do nosso torrão. Afinal de contas, era só esse tosco torrão que se podia conhecer. Rio Branco (Arcoverde), que ficava mais distante, só se ouvia quando minha mãe, em finais de ano ou em comemorações de sete de setembro, ia nas Lojas Paulistas, comprar os tecidos de tergal cinza e algodão branco, para fazer alguma roupinha ou fardamento para o desfile, artesanalmente feitas por ela mesma, numa daquelas antigas máquinas de costura de mão ou costuradas ponto por ponto, com as próprias mãos com muito amor e esmero. Foi assim que a gente teve os primeiros anos de nossas vidas, eu e meus irmãos, parte no Sítio Cigano, outra na cidade para aprender as primeiras letras.

         Com poucos anos de vida, eu e demais familiares, por circunstâncias alheias a nossa vontade, tivemos que imigrar para o Estado de São Paulo. Mundo cão, fomos parar. Foi o verdadeiro Inferno na Terra. A tristeza nunca nos deixava esquecer de nosso lugar e o objetivo era sempre depois de um tempo, voltar. Demorou alguns anos e eis que finalmente na década de setenta voltamos para a mesma terrinha de sempre. Que alegria a volta. Sentir o cheirinho da areia do Sítio Cigano, a cidadela ainda atrasada e rústica, mas era o meu, o nosso cordão umbilical. Era assim que encarava tudo isso. O desgraçado desse lugarzinho até parecia fazer parte integrante da gente!

         Os anos se passaram, por necessidade de avançar nos estudos, ter passado em concurso público para trabalhar e estudar, mudei para o Recife. Depois morei em Pesqueira, Arcoverde e eis que, depois dessa odisseia, terminei no mesmo lugar comum, sempre pensando na minha forte ligação com o meu cordão umbilical para minha (in)felicitação.

         À essa altura do campeonato, pergunto a mim mesmo: será que valeu à pena por toda a minha vida ter me focado praticamente com essa ideia fixa em Buíque, de voltar para esse lugar e tentar fazer algo de útil, de grandioso, no sentido de ajudar a minha gente, o meu povo? – Com tantas distorções das coisas, das pessoas, da falta de consideração aos verdadeiros buiquenses, da venalidade do povo, da indiferença com que muitos encaram os seus próprios filhos, não sei se tomei realmente a decisão certa em minha vida, porque tive chances de crescer noutras paragens, porém, como sempre tive uma ideia fixa em Buíque, minha terra, sequer cheguei a transferir o título de eleitor para outro lugar. Sempre votei aqui em Buíque, a não ser quando tirei meu primeiro título de eleitor em São Paulo, que dei o meu primeiro voto para o Senador Franco Montoro, que na época era, entre outros, um dos grandes homens da resistência à ditadura militar, junto com Dom Evaristo Arns, arcebispo do São Paulo.

         À essa altura de minha vida, não sei se fiz a coisa certa, porém, mesmo me sentindo pregando no deserto, procurei combater o bom combate, mas sinto que não tive a acolhida e o reconhecimento merecido e devido do povo que tanto me voltei com minhas ideias, para ajudar. Tentei de muitas formas. Como político que sempre fui, até me candidatei, mas cadê o dinheiro? – Sem dinheiro, nada de votos, nada de eleição, nada de poder ajudar com mais fervor o meu próprio povo, que por exclusão, me escanteou! – Lutei na defesa desse povo buscando mostrar o certo e a verdade, mesmo assim não fui ouvido. Olvidei e ousei traçar caminhos pela cultura e fundei uma Academia das Letras e das Artes, para tentar inculcar cultura na cabeça desse povo. Mais outra peça pregada. Tentei, mas preguei mais uma vez no deserto. Não sei se alguma semente aflorou, mas pelo menos plantei o néctar para se criar o favo do mel. Não sei se valeu à pena. Isso só o tempo é quem poderá post mortem, demonstrar, mas aí, já não há de me interessar. Que fique na pequenez que sempre esse lugar mereceu se encontrar.

         Quando de vez me for, não posso me dizer satisfeito. Pode até ser meu defeito, mas o esdrúxulo em tudo isso, é que esse lugar onde nasci, que pelo visto, pode avançar no tempo séculos sem fim amém, que minha terra não sairá da mesma insignificância de sempre. É só àquela terrinha de merda chinfrim, rudimentar de sempre, de meus tempos tristes de infância, em que me embolava nas noites de lua nova nas terras densas do Sítio Cigano; quando brincava com os meninos próximo à Padaria de Seu Severino Padilha, entre eles Bill The Kid, de índio e bandido; quando jogava bolinhas de gude; caçava de peteca ou quando me enroletava em brigas com outra molecada, em que ora apanhava, ora descia o cacete. Era esse o Buíque que vivi, não volta mais e pelo visto, nunca vai sair desse mesmo placebo pausado no tempo. Acho que para concluir, o tempo vivido para mim, buscando me doar e sem ser compreendido, foi fatalmente todo ele perdido…

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Manoel Modesto

Advogado, escritor, poeta e presidente da ABLA (Academia Buiquense de Letras e de Artes)

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1 Comentário

  1. Barmonte disse:

    Buíque tem algo de mágico que faz as pessoas se encantarem, que as ilude com sua beleza, suas falsas promessas e a sensação de que tudo pode melhorar a qualquer momento, mas num momento qualquer, tudo continua igual. O ser buiquense caminha pelas ruas dessa cidade como um andante pelo deserto que ao avistar fata-morgana – pesando ter avistado água abundante, perde-se na busca. Buíque é uma meretriz fatalmente envolvente e contraditória. Que faz por onde merecer quem não lhe merece. E, apesar de tantas vírgulas e interrogações – com o passar das décadas, continua seduzindo poetas, brucutus, raposas e songa-mongas.

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